Capital Reset: "Por que os BCs precisam olhar para a natureza?"

25/09/2024

No dia da Sustentabilidade (hoje, 25/09), compartilho material elaborado por WINSTON FRITSCH, colunista do CAPITAL RESET, que reflete a respeito dos novos padrões de mercado que devem pautar ações dos bancos centrais globais em relação à preocupação com o meio ambiente. 

No Brasil, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal n. 6.938/1981) prevê em seu art. 12, caput, que "As entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA". 

Vale a pena conferir a matéria para entender esse macro cenário que é central ao se tratar de financiamentos sustentáveis, temas tão abordados atualmente. Boa leitura! 

CAPITAL RESET 

Por WINSTON FRITSCH, 17/09/2024 

(disponível em: https://capitalreset.uol.com.br/opiniao/por-que-os-bcs-precisam-olhar-para-a-natureza/)

"O Ministério do Meio Ambiente promove, no fim de setembro, um seminário internacional para discutir como incorporar o "capital natural" às decisões financeiras, explorando mecanismos para "integrar o valor dos ativos ambientais nas estratégias de alocação de capital, gestão de riscos e avaliação de investimentos".

O evento ocorre no âmbito das atividades do Grupo de Trabalho de Sustentabilidade Ambiental e Climática do G20. A iniciativa do Brasil de levar o debate ao fórum do G20 reflete a silenciosa, mas importante mudança na arquitetura da diplomacia financeira internacional.

Este tema assumiu papel central como novo mecanismo de governança e de ampliação da agenda dos bancos centrais e supervisores de mercados financeiros para enfrentar novos desafios à estabilidade do sistema financeiro mundial. E a discussão pode, muito provavelmente, acabar afetando os mandatos dos bancos centrais.

Anos atrás um seminário com esse objetivo causaria surpresa a banqueiros centrais experientes. Entretanto, a relação entre biodiversidade e risco financeiro é hoje mainstream nas discussões sobre finanças, clima e meio ambiente.

Como disse recentemente o presidente do Banque de France, François Villeroy de Galhau, em encontro de BCs para discutir o arcabouço conceitual de riscos financeiros relacionados à natureza:

"O consenso que atingimos aqui é tanto baseado na ciência, quanto motivado para encurtar o hiato de conhecimento na avaliação das implicações econômicas e financeiras dos riscos relacionados à natureza".

E, citando Frank Elderson, do Banco Central Europeu, emendou que "isso não é qualquer iniciativa do tipo 'poder da flor' ou de 'abraçar árvores'. Isso é essencialmente economia."

Para não restar dúvidas, nesse mesmo encontro o presidente do BC da Holanda afirmou categoricamente que "a degradação da natureza e os riscos financeiros a ela associados estão totalmente dentro dos mandatos dos bancos centrais".

A responsabilidade dos bancos

Essas declarações não surpreendem por vários motivos. Em primeiro lugar, porque refletem preocupação legítima com os impactos econômicos ainda não propriamente avaliados do avassalador crescimento da destruição da biodiversidade global nas últimas décadas.

Cinco vetores principais afetam a natureza: mudanças no uso da terra (como desmatamento, urbanização, etc.); caça e pesca predatórias; mudança do clima; poluição, incluindo por produtos químicos na agricultura; e introdução maciça de espécies exóticas invasivas – enquanto a degradação ambiental causada pela erosão do solo e queda da disponibilidade de água doce crescem exponencialmente.

O sistema financeiro não é inocente em relação à redução da biodiversidade. Um estudo que mediu o impacto (a "pegada de biodiversidade") do portfólio de atividades financiadas por 21 instituições francesas estimou que essas atividades foram responsáveis pela perda de biodiversidade terrestre equivalente a pelo menos à encontrada, em média, em 130 mil km2 de território "nativo" do país, ou ¼ da área das cidades na França. 

Em suma, essa discussão amplia o escopo das responsabilidades dos bancos centrais em relação a riscos sistêmicos de instabilidade financeira aparentemente exógenos ao funcionamento do sistema econômico, como já aconteceu em relação aos riscos da mudança climática, até pouco tempo ausentes da regulação prudencial.

Parece ter chegado a hora de se discutir, como quer o governo brasileiro, os efeitos da destruição do capital natural como externalidade negativa do funcionamento do sistema financeiro, e não apenas como consequência indireta da mudança do clima.

Os mecanismos de transmissão

A forma de incluir o risco ambiental – entendido tanto como risco financeiro derivado dos impactos da destruição do meio ambiente, quanto das consequências de ações de instituições financeiras sobre o meio ambiente – nos modelos de risco financeiro usados para supervisão prudencial de riscos sistêmicos pelos bancos centrais não deve ser diferente da abordagem tomada quando, em 2015, o G20 foi confrontado com a pergunta sobre o impacto de riscos climáticos e determinou ao seu Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), organismo que monitora e faz recomendações sobre a estabilidade do sistema financeiro global, que reunisse participantes públicos e privados para rever como o setor financeiro poderia levar em conta questões relacionadas ao clima.

Identificaram-se, na ocasião, três tipos de riscos. Os "físicos" e de "obrigações contingentes", aqueles oriundos, respectivamente, de choques importantes ou catastróficos de eventos climáticos, ou de ações legais movidas com vistas a obter compensação por ações relacionadas à não-divulgação apropriada dos impactos climáticos das ações de agentes econômicos.

E os riscos "de transição", considerados sistemicamente mais preocupantes, decorrentes do efeito cumulativo de possivelmente rápidas e generalizadas ações em antecipação à mudança do clima ou como consequência dela, gerando aceleradas e síncronas mudanças tecnológicas, de comportamento de consumidores, e de mudanças de regulação com efeito sobre o valor dos ativos financeiros.

A pergunta que preocupava os reguladores era se esses eventos, especialmente de forma cumulativa, poderiam provocar perda tão rápida do valor agregado dos ativos a ponto de ameaçar a estabilidade do sistema financeiro".